Algo dentro de mim está mudando. Como uma pele antiga que se descola para dar lugar à nova, a ideia que eu fazia sobre como deveria ser uma dominatrix profissional está deixando de fazer sentido. Aprendi a associar profissionalismo com distanciamento — com compostura, controle, frieza até. Mas como isso se aplica quando seu trabalho é acessar o que há de mais íntimo em alguém? Quando o ofício é justamente atravessar as máscaras e tocar nas cordas mais profundas do corpo pela via do desejo?
Qual é a distância ideal quando seu submisso está ajoelhado, vestindo renda, e você sussurra no ouvido dele as provocações mais sensuais e degradantes que já saíram da sua boca? E depois — no aftercare, ao observá-lo voltar aos poucos do subspace, grato e ofegante — como permanecer indiferente?
A verdade é que não tem como. E mesmo que tenha, eu não quero.
Porque o que me move não é o teatrinho da superfície. É a conexão. Nada me dá mais prazer do que criar intimidade. Acolher a confiança de um submisso que se entrega aos meus pés. Manipular cada gatilho, acertar em cheio a sua sensibilidade mais secreta. Mergulhar nos seus desejos sombrios e dizer, com o corpo e com a voz: eu vejo você. Eu te levo até onde você sonha ir — e talvez além.
Meu corpo inteiro se arrepia quando sei que o controle está em minhas mãos. Sua entrega alimenta meu poder, e meu poder alimenta sua entrega, até que ambos estejamos completamente imersos nessa realidade alternativa em que apenas nós dois existimos. Nosso universo particular em que realizamos o que há de mais intenso nas nossas vontades ocultas.
Temos desejos estranhos, eu sei. Mas aprendi que rejeitar o estranho é rejeitar a si. Quanto mais me aprofundo no BDSM, mais percebo que esse universo fala diretamente com algo dentro de mim. Algo visceral, instintivo, inegociável. Ele me confronta. Me revela. Me excita.
Sabe aquele momento em que você encara os olhos de alguém e sente que ali transborda desejo, entrega, verdade? E percebe que o outro sente tanto tesão naquilo quanto você? Pra mim, isso não tem preço. É exatamente o que me faz continuar. Não o distanciamento. Mas o mergulho.